Carlos José Arruda
Professor







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05-julho-10   CARLOS ARRUDA

Arquiteto, web designer, enófilo, professor, intérprete francofone, consultor comercial e autor de artigos sobre vinhos, criador e diretor do site Academia do Vinho.

O Mediterrâneo

Participando da feira Vitigno Italia 2010, dedicada à produção autóctone, tive oportunidade de conhecer a fundo a vinicultura do sul da Itália, retratando a tipicidade de inúmeras variedades regionais.

Oportunidade única, visitar a ilha de Ischia, distante uma hora de barco da baía de Napoli, pois fui informado que exatamente em Ischia os gregos iniciaram a viticultura na Enotria, futura Itália.

Dia de sol, vento ligeiro, a travessia da baía de Napoli não poderia ser mais bela. Cercados de transatlânticos monstruosos, cruzamos as águas azuis do Mediterrâneo até Ischia, um paraíso para os idosos e aposentados. Ali existem fontes termais naturais, de origem vulcânica, onde se instalaram inúmeros balneários medicinais e recreativos, acolhendo uma grande população (literalmente) flutuante de idosos em busca de cura e conforto. A idade média das garotas da praia gira em torno dos 68 anos, viva Ischia!

Os Vinhedos

Recebidos no porto pelo enólogo Francesco Iacono, subimos as tortuosas estradas locais até os vinhedos e a cantina da vinícola Arimei. Logo iniciamos a visita aos vinhedos, escalonados em estreitos degraus ao longo das encostas da elevação central da ilha, acompanhando a topografia e permanentemente observando uma vista do Mediterrâneo de tirar o fôlego. Damascos, pêssegos e limões convivem calmamente com as videiras, plantadas em espaldeiras baixas e bem próximas.

Vinhedos em terraços suportados por seculares muros de pedra (foto Carlos Arruda)

Vinhedos em terraços suportados por seculares muros de pedra (foto Carlos Arruda)

Curiosamente, Iacono nos mostra um pequeno vinhedo ilustrativo, onde foram montadas espaldeiras pelo método tradicional, usando galhos finos de árvores em lugar dos modernos fios de metal. Segundo ele, este sempre foi o método de condução dos vinhedos em Ischia. Que diferença das latadas do Veneto! Isso mostra como as regiões Italianas são tão diversas. Como os patamares fazem curvas para acompanhar o terreno, algumas parreiras recebem menos sol, sendo colhidas algumas semanas mais tarde. Artesanalmente, a viticultura explora ao máximo os detalhes do terroir para garantir a qualidade dos vinhos.

Vinhedos representativos do sistema secular de espaldeira, as linhas de sustentação são feitas com ramos finos (foto Carlos Arruda)

Vinhedos representativos do sistema secular de espaldeira, as linhas de sustentação são feitas com ramos finos (foto Carlos Arruda)

O vento muito fresco vindo do mar faz o ambiente seco e agradável. Neste lado da ilha chove apenas 400 mm por ano, mais seco que no lado oposto, com o dobro. Aqui as videiras têm um ritmo biológico bem particular, gerando uma personalidade única nos vinhos, graças também ao solo vulcânico. Na elevação defronte os vinhedos, podemos ver os fumeretti, pequenas chaminés de fumaça vinda das entranhas da terra. Que medo!

Perguntando sobre as temperaturas durante a maturação, ele me diz que próximo à colheita, em pleno verão, as temperaturas variam de 32 graus durante o dia para 18 graus durante a noite. Essa grande amplitude térmica (14 graus) e o frio da noite garante a acidez das uvas e também retarda o amadurecimento, permitindo uma completa maturação das cascas das uvas (fenólica) sem elevar desnecessariamente o teor alcoólico.

Aqui se cultivam 5 variedades autóctones, em democráticas fileiras mescladas: Biancolella, Forastera, Uva Rilla, San Lunardo e Coglionara.

A Cantina

Passamos à cantina, e aqui nem se pode dizer cantina, porque a vinícola recuperou e mantém em funcionamento um sistema de vinificação milenar simplesmente único. No silêncio quebrado apenas pelo ruído da brisa marinha, a sensação é de que o tempo parou, ou por aqui anda bem mais devagar...

As câmaras de fermentação são escavadas na pedra. As modernas comportas de aço inox são substitutas de antigas portas de madeira, dando acesso a cada uma das câmaras, que foram tratadas internamente para maior assepsia.

Acesso superior os tanques escavados na pedra, apenas as portas modernas alteraram o design de dois séculos (foto Carlos Arruda)

Acesso superior os tanques escavados na pedra, apenas as portas modernas alteraram o design de dois séculos (foto Carlos Arruda)

Uma nave central permite interligar as câmaras conforme desejado, para fazer trasfegas dos vinhos em elaboração. As câmaras foram construídas em níveis diferentes, permitindo a movimentação dos vinhos por gravidade, de forma simples e cuidadosa. Isso há séculos...

Os tanques podem ser conectados em um nicho central, para realizar trasfegas por gravidade (foto Carlos Arruda)

Os tanques podem ser conectados em um nicho central, para realizar trasfegas por gravidade (foto Carlos Arruda)

Passando à cantina, alguns ambientes também escavados na rocha vulcânica abrigam modernos tanques inox com controle de temperatura, além de barricas de carvalho francês. Iacono nos conta enfaticamente que usa barricas antigas, nada de madeira nova, para apenas oxigenar lentamente os vinhos, sem incorporar aromas e sabores importantes ao estilo delicado dos vinhos aqui produzidos.

Tomadas de ar semelhante a chaminés afloram na colina acima das caves, voltadas na direção dos ventos frescos dominantes, levando ar novo para as cantinas, funcionando como um ar condicionado natural. Não há nenhum cheiro de mofo ou de ar viciado. Tudo aqui mostra limpeza, sanidade e leveza.

Tomada de ventilação para a nave central da cave subterrânea (foto Carlos Arruda)

Tomada de ventilação para a nave central da cave subterrânea (foto Carlos Arruda)

Pausa para degustação

Passamos a um enorme salão de jantar, construção moderna feita com blocos de pedra, que tem ao lado uma pequena capela antiga encravada na rocha, hoje sala de exposição dos produtos.

Na estupenda sala com enorme pé direito, a temperatura é muito agradável e a vista simplesmente sensacional. Iacono nos convida a um brinde com um espumante de Franciacorta, produzido pela vinícola na Lombardia, fazendo o momento ser apenas inigualável. Definitivamente o tempo aqui corre em outra velocidade, o silêncio é precioso.

Vista do Mediterrâneo do ponto mais alto da vinícola, quase no topo das elevações da ilha de Ischia (foto Carlos Arruda)

Vista do Mediterrâneo do ponto mais alto da vinícola, quase no topo das elevações da ilha de Ischia (foto Carlos Arruda)

Já era hora do almoço, passamos a uma refeição frugal tipicamente napolitana: branquíssimas e enormes mozzarelas de búfala, acompanhadas de pão artesanal feito na ilha, pequenos tomates com feijões brancos, manjericão e azeite. Melhor não haveria. Napoli é a terra da mozzarela, elas estão presentes em todas as refeições. Nem falo nas pizzas...

Os Vinhos de Ischia

Agora vamos conhecer os vinhos produzidos na ilha pela tenuta Giardini Arimei.

Inicialmente degustamos o Pietra Brox (Ischia Bianco Superiore DOC), um branco delicado, sutil e aromático, que mostra uma mineralidade típica do solo vulcânico, além de um frescor muito agradável. É o vinho típico de Ischia, produzido com as variedades Biancolella, Forastera e Uva Rilla.

O segundo é o Giardini Arimei, um vinho doce elaborado de forma totalmente única, não sendo nem colheita tardia nem passificado. As uvas são deixadas amadurecer nas videiras, até murcharem muito, tornando-se escuras e quase passas. Agora a diferença: estas uvas são desengaçadas e lançadas dentro dos vinhos em fermentação, onde absorvem líquido e incham, passando seu conteúdo de açúcar e sabor concentrado para o vinho, lentamente.

O resultado é muito elegante, intenso e complexo, sem o peso típico dos Passitos produzidos na Sicilia, mais ao sul.

Ischia tem suas artimanhas, como podemos ver...

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